2º Episódio RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente Da História

2º Episódio RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente Da História

 

CINEMA PATHÉ – “O PATHÉZINHO” (1907)

O projeto “RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente Da História” continua a jornada por tempos valiosos, os do cinema de rua. Na última terça-feira, rememoramos o Cine Parisiense e, hoje, vamos pousar no Cinema Pathé, ou “Pathézinho”, como era carinhosamente chamado pelos cariocas. Ele foi inaugurado em 17 de setembro de 1907, logo após o Parisiense. Primeiramente, nos prédios 147 e 149 da Avenida Central – atual Rio Branco. O cinema foi idealizado pela família Ferrez. Marc Ferrez foi um fotógrafo brasileiro, o seu currículo consta como fotógrafo de D. Pedro II. Mas, sua grande relevância foi nas primeiras décadas da República, quando foi responsável por um dos mais importantes legados visuais do país nesse período. Junto com seus filhos, Julio e Luciano, entram no rol dos precursores da sétima arte. A firma Marc Ferrez & Filhos conseguiria em 1905 a representação da Pathé Frères, fábrica francesa de aparelhos e filmes cinematográficos, sobrevindo-lhe as vendas para todo Brasil.

“Meu avô Marc Ferrez (1843- 1923) foi um grande fotógrafo e era amigo dos Lumière. Quando eles inventaram o cinematógrafo, Marc Ferrez e meu pai, Julio Marc Ferrez (1881-1946), estavam em Paris e foram visitá-los. Viram o cinematógrafo e ficaram encantados. Júlio logo sentiu que aquele divertimento teria um grande futuro e em 1905 obteve a representação da Pathé Frères”.

(Gilberto Ferrez, Revista Filme Cultura, 1986) 

Na época, a firma foi a primeira a garantir uma programação regular aos cinemas, fornecendo duas fitas por semana, pois, antes da Avenida Central, as salas de cinemas não tinham uma programação certa, exibiam pequenas fitas que não chegavam a uma hora de duração e completavam a programação com números de palco, música, mágica, etc. Com todo este envolvimento cinematográfico dos Ferrez e assistindo o sucesso do cinema, decidiram abrir sua própria sala de projeções. Porém, havia um impedimento. No contrato com a Pathè, havia uma cláusula que impedia a firma Marc Ferrez & Filhos de ser proprietária de cinemas. Pensando nisso, convidaram o dono de um café-concerto, Arnaldo Gomes de Souza, como sócio neste negócio. Assim, nasceu a Arnaldo & Cia, firma que inaugura o primeiro Cinema Pathé. O símbolo do cinema era um galo, o “Galinho Encarnado”. O primeiro filme exibido foi Max Quer Patinar, de Max Linder. A primeira sessão foi bastante concorrida e na plateia estavam figuras históricas do jornalismo brasileiro, Julião Machado e Arthur Azevedo.

Rio de Janeiro 18 de setembro de 1907. Primeira sessão do Pathé. Arthur Azevedo encontra-se na segunda fileira com o chapéu na mão. Fonte: Fundo Família Ferrez 6.1.0.7.1/ Arquivo Nacional.


Na ocasião, foi exibido o filme “Max quer patinar”, de Max Linder
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Anuncio do Cinema Pathé. O “Galinho Encarnado”, símbolo da Pathé Frères e exclusividade do Cinema Pathé. Fonte: Gazeta de Notícia, Rio de Janeiro, 13 de Janeiro de 1911. Disponível em: Souza, 2019.

Uma curiosidade é que, no início do século XX, o movimento maior da Avenida Central ocorria no trecho compreendido entre a Rua do Ouvidor e a Galeria Cruzeiro. Ninguém queria se estabelecer do lado ímpar porque era o lado que o sol batia à tarde e as senhoras não gostavam de frequentar por causa do calor. O primeiro Pathé surgiu do lado ímpar, do lado do sol, sendo transferido em 11 de abril de 1912 para o lado nobre da avenida, ocupando o prédio n. 116. Instalando-se em elegante prédio com escadaria de ferro trabalhado, bilheteria de bronze, assento de palhinha e uma serie de telas pintadas por Henrique Bernadelli. Segundo Alice Gonzaga, os anúncios do Cine Pathé 1917 sempre destacavam sua máxima ventilação, seriação perfeita, temperatura agradável, e o arejamento do salão de 15 metros de alto. A sala de 550 lugares era definida como ampla, arejada e confortável, mirando no público chic e smart. Único cinema do lado da sombra, do lado par. Uma orquestra tocava nos intervalos das sessões.

Um fato interessante, e que marca o Cinema Pathé, ainda no lado ímpar, e os Ferrez como precursores na história do cinema brasileiro, é contado pelo historiador Vicente de Paula Araújo. Ele diz que em junho de 1908 foi passado um filme de comédia brasileiro no Pathé chamado Nhô Anástacio Chegou de Viagem, uma série que concorre a ser o primeiro filme brasileiro de ficção. Narrava as peripécias de um matuto que veio passear no Rio de Janeiro, desembarcou na estação da Central, andou pelas ruas, viu a caixa de conversação, entrou no Palácio Monroe, visitou o Passeio Público, enamorou-se de uma cantora, mas tudo se complicou com a chegada súbita da esposa. Por fim, a série que quiproquós, a perseguição cômica, a reconciliação geral, o happy end. Foi filmada por Julio Ferrez, e interpretada por José Gonçalves Leonardo. Devia ser Nhô Anástacio uma fita curta, com uns quinze minutos de duração no máximo.

É a primeira vez, escreveu um cronista da época, que se fazem entre nós fitas desse gênero.

(Figueiredo Pimentel, Gazeta de Notícias, de 20 de junho de 1908)

 Nos lugares dos comentadores de filmes, que já existiam em alguns países, os espectadores do Pathé podiam se servir dos programas distribuídos pelos exibidores ou dos pequenos resumos publicados em jornais. Em 1907-1908, o cinema Pathé e Parisiense utilizavam-se das sinopses, principalmente para a descrição dos quadros das películas mais longas. Temos os dois cinemas lançadores fazendo uma boa propaganda dos enredos. O selo de qualidade da coluna Binóculo, do jornal Gazeta de Notícia, caia geralmente sobre o Pathé. Ele estava entre os melhores e mais bem “frequentados”, no caso, por pessoas “smart”.

“Toda a gente já sabe que às terças e sextas há sempre programas novos. O Pathé, como sempre, esteve cheíssimo. Gente Smart”.

(Gazeta de Notícia, Rio de Janeiro, 25 de abril de 1908).

Em janeiro de 1909, os exibidores Arnaldo & Cia e Guilherme Ausker se uniram para o lançamento dos films d’art. Embora produzidos pela SCAGL (Société Générale des Auteurs et Gens et Lettres), tinham em Charles Pathé um dos seus acionistas e distribuidor natural para os países periféricos. Foi uma forma de elevação do espetáculo cinematográfico. “Cinema de arte” ou “filme de arte” é um termo que se refere a produções cinematográficas tipicamente independentes e voltadas a um nicho de mercado. Em oposição a obras de caráter norte-americanas que são direcionadas ao grande público de mercado, o “filme de arte” é  artístico, muitas vezes experimental e não projetado para o apelo de massa, feito principalmente por razões estéticas em vez de lucro comercial, e contém conteúdo não convencional ou altamente simbólico. 

O cinema Pathé fechou em 1940 e em seu lugar foi construído um edifício onde hoje funciona um banco. As pessoas que frequentaram os cinemas do Rio até a década de 40, certamente lembram-se do Pathézinho, assim conhecido quando o Pathé Palácio foi inaugurado em 1928.

Primeiro Pathé, 1907. Fonte: Fundo da Família Ferrez 6.1.0.7.5.2. Arquivo Nacional. Disponivel em: http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/68-historia/130-na-plateia.html

O primeiro prédio da direita para esquerda. Segundo Cine Pathé, numero 116, Avenida Central. Fonte: Arquivo Geral da Cidade.                                 Disponivel em:  http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4204430/4101439/memoria_da_destruicao.pdf

Orquestra de senhoras animavam o intervalo do Pathé, Avenida Central 116. Fonte: Arquivo do Museu de Imagem e do Som. 

Cartaz anunciando a estreia do filme “Luzes da Cidade”, de Charles Chaplin, no cinema Pathé, também conhecido como Pathésinho, Rio de Janeiro, junho de 1934. Fonte: Arquivo Nacional, Família Ferrez.

 

REFERENCIAS

 

 

ARAÚJO, Vicente de Paula. A Bela Época do Cinema Brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1976.

 

COSTA, Renato da Gama-Rosa. Os cinematógrafos do Rio de Janeiro (1896-1925). Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 5, n. 1, p. 153-168,  Junho  1998 .   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701998000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 06 de julho de  2020.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59701998000100010.

 

 FERREZ, G. Pathé:  80 anos de vida no Rio. Revista Filme Cultura, n. 47, agosto, 1986.

 

GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema:  trajetória no subdesenvolvimento. 2ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/ Funarte e Editora Record, 1996.

 

LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do espetáculo: teatros e cinemas na formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia. Rio de janeiro: UFRJ, 2000.

 

MORAES, Julio Lucchesi. Sociedades culturais, sociedades anônimas: distinção e massificação na economia da cultura brasileira ( Rio de Janeiro e São Paulo, 1890-1922). Tese apresentada na Pós- Graduação em História Econômica da USP. São Paulo, 2014. 

 

SOUZA, José Inácio de Melo. Imagens do Passado: São Paulo e Rio De Janeiro nos Primórdios do cinema. Editora Senac: São Paulo, 2019.

 

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