CINEMA GLÓRIA (1925)
Hoje é dia de mais uma jornada incrível pelos cinemas de rua cariocas. No episódio anterior, entramos na Cinelândia, no sonho de Francisco Serrador: construir, na região central do Rio de Janeiro, a versão brasileira da Broadway. Aprendemos sobre o primeiro cinema desta região, o Capitólio (1925), considerado o primeiro arranha-céu carioca. E, no nosso oitavo episódio, pousaremos no Cinema Glória (1925). Preparados? A sessão já começou!
O Cinema Glória também fazia parte do sonho deste espanhol, radicado no Brasil, Francisco Serrador. Localizado no Edifício Glória, Praça Floriano, números 35-37, o cinema foi inaugurado em 03 de outubro de 1925. Este edifício de oito pavimentos, projetado pelo arquiteto Eduardo Pederneiras, faz parte do conjunto de edifícios que abrigavam cinemas e teatros nos tempos áureos da Cinelândia. Além do Cinema Glória, no térreo, o edifício era ocupado, nos seis andares superiores, pelo antigo Hotel Monroe.
Edifício Glória que abrigava o Cinema Glória,
no térreo, e o Hotel Monroe nos andares superiores.
Fonte: Revista Fon-Fon, 1926 (domínio público).
Com portas e janelas para todos os lados, oferecia perfeitas condições de ventilação e de segurança. Tinha mais de 1000 lugares, sua entrada era embelezada por um letreiro indicativo que, segundo comentários da época de sua estreia, “era uma maravilha de perfeição, um jogo de luzes policromas que encanta” (Jornal do Commércio, outubro de 1925).
“Quanto a sua comodidade tem-na o novo Cine-Theatro com um mobiliário idêntico ao do Capitólio, que é comodíssimo, sendo que é todo em tom claro e alegre. Possui uma série de camarotes que é uma maravilha, e uma galeria estupenda. O seu palco é vasto, e a boca de cena magnífica, o que lhe dá esplêndidas propensões para explorar o gênero teatral”.
(Jornal do Commércio, outubro de 1925)
Em sua inauguração como cinema, foi exibido o filme “A única mulher”, da First National (atual Warner Bros), dirigido por Sidney Olcott e estrelado por Norma Talmadge e George O´Brien. Os espetáculos cinematográficos eram precedidos de números musicais executados pela orquestra da casa. Em 30 de outubro do mesmo ano, inaugurou-se o teatro, arrendado pela Companhia de Revista e Sainetes Tro-lo-ló. O Glória apresentava duas sessões por dia, às 20h e às 22h.
Cartaz do filme “The Only Woman” (A única mulher)
primeiro filme a passar no Cinema Glória, 1925.
Fonte: New York Times, 3-11-1924.
Entre exibições de filmes americanos de sucesso e por suas peças teatrais que exaltavam a cultura brasileira, o Glória foi palco para alavancada profissional de muitos artistas, entre eles o maestro e compositor Hekel Tavares, que iniciou sua carreira como compositor de teatro de revista, fazendo, em 1926, a música para a peça carnavalesca “Está na Hora”, de Goulart de Andrade, letra de Luiz Peixoto, estreada no Cine-Teatro Glória. A peça deu-lhes projeção e lançou para posteridade dois clássicos da dupla Hekel Tavares/Luiz Peixoto: Casa de caboclo e Suçuarana, ambas gravadas por Gastão Formenti em 1928. Estes clássicos já foram interpretados por grandes nomes da música brasileira: Inezita Barroso, Luís Gonzaga, Maria Bethânia, entre outros.
Compositor Hekel Tavares.
(Dominio Público) Lei 9.610/98
Fonte: Arquivo Marcelo Bonavides
(domínio público).
O Cinema já teve o nome de Cineac Glória de 1941 a 1944, voltou a se chamar Cinema Glória em 1944 e foi demolido em 1968, dando lugar a uma galeria, com lojas comerciais, ligando a Rua Francisco Serrador à Rua Ator Jaime Costa. Hoje, o prédio abriga a Caixa Econômica Federal. Entre as razões para justificar a demolição do cinema, dizia-se que o “Glória não tinha acústica, era barulhento, incômodo e representava um enorme espaço perdido” ¹.Este pensamento, com o qual o Cine-Teatro Glória foi vítima, percorre os anos até a quase extinção na atualidade dos cinemas de rua cariocas. Por isso, ratificamos a importância de projetos como este, que nos permite revisitarmos o passado para fortalecer uma identidade cultural. Sobre isso, a historiadora Beatriz Kushnir, diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, em entrevista cedida a RioFilme, fala-nos que são muito bem vindas as “possibilidades de se rediscutir a cidade através de experiências cinematográficas, acadêmicas e reflexivas (…), porque esta experiência diz muito quem nós somos e pode criar novas gerações de cinéfilos que eu torço muito que aconteça”.
Cine-Teatro Glória. Acervo MIS.
Fonte: CTAC/ FUNARTE. (Dominio Público) Lei 9.610/98
Disponível: http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=154&cdP=5
Aspecto da Praça Marechal Floriano Peixoto, Cinelândia, com destaque para as fachadas dos cinemas Odeon, Império e Glória. Primeira metade do século XX. Coleção Augusto Malta. Acervo MIS.
Encenação do “Ladrão de Bagdá” no Cine-Theatro Glória. Ano: 1926. Coleção Augusto Malta. Acervo MIS.
¹ Citação da imprensa da época encontrada na pesquisa feita pelo CTAC (Centro Técnico de Artes Cênicas/FUNARTE). Acesso em agosto de 2020: http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=154&cdP=5
REFERÊNCIAS:
CENTRO TÉCNICO DE ARTES CÊNICAS (CTAC). E o Teatro Virou Cinema. Cinema-Theatro Glória. Disponivel: http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=154&cdP=5
MÁXIMO, João. Cinelândia: Breve História de um Sonho. Editora Salamandra, 1997.