CINEMA SOBERANO (1909) – CINE- TEATRO ÍRIS (1921)
Terça-feira é dia da nossa incrível jornada pelos cinemas de rua cariocas. Na semana passada, nos encantamos com o Cinema Ideal (1909) e sua cúpula assinada pelo Gustave Eiffel, que se abria durante as sessões para renovar o ar e refrescar o ambiente. Também, entrevistamos, com exclusividade, a atual proprietária do espaço, Rita de Cássia Silva. E, hoje, nossa viagem pelo tempo nos trouxe até o Cine Íris, antigo Cinematógrafo Soberano.
De todos os cinemas de rua cariocas, o Íris é o mais antigo que ainda resiste. Localiza-se na Rua da Carioca, número 49, área central do Rio, entre o Largo da Carioca (e, por conseguinte, também da Estação Carioca de metrô) e a Praça Tiradentes. A sala foi inaugurada em 30 de outubro de 1909, com 200 lugares, por João Cruz Júnior. Primeiramente, foi lhe dado o nome Cinematographo Soberano, homenagem do fundador a um dos seus cavalos. Em 1914 passou a se chamar Theatro Vitória, transformando-se num teatro de variedades. Foi reformado em 1921, quando ganhou um terceiro andar e ornamentação art nouveau (um movimento artístico que surgiu no final do século XIX), expandindo sua capacidade para 1200 lugares e trocou de nome, passando a se chamar Íris em homenagem a uma deusa grega que é a personificação do arco-íris, que une terra e céu, sendo a mensageira dos deuses para os seres humanos. Havia um painel dessa deusa que ficava logo na entrada do cinema.
Sala de projeção do Cine Íris. Início do século XX. Foto Augusto Malta.
Revista Filme Cultura, n. 47, 1986.
Às segundas feiras a Rua da Carioca ficava intransitável na hora da abertura dos cinemas. Juntava-se o público do Iris com o do Ideal, pois um ficava quase defronte do outro. As sessões começavam à 13h e interrompiam o trânsito, ninguém passava. Quando tocava a campainha para começar a multidão levava porta e tudo para dentro. No Íris havia um camarada forte chamado Carlos que ficava segurando as cordas com um porrete na mão. Ele metia mesmo o porrete para controlar a multidão. As pessoas entravam, sentavam e não podiam mais levantar, pois perdiam o lugar. Quando alguém levantava, o Carlos gritava: ‘-Mais um, mais dois lugares.’
(Paulo Lima, Revista Filme Cultura, n. 47, 1986).
A mudança de nome e de extensão do Cinema-Teatro Íris também está associado a transição do cinema mudo para o cinema falado, ou melhor dizendo, dublado (pessoas ficavam atrás da tela dublando os personagens) e, também, ao aumento do tempo dos filmes que antes eram curtos (até 30 minutos), passando para filmes longos de mais de duas horas. Com isso, os cinemas de rua cariocas, no intuito de não prejudicar suas rendas, viram como solução aumentar a extensão para que coubesse mais lugares e consequentemente mais pessoas assistindo as sessões. O cinema Íris e o cinema Ideal, que tinham proprietários que eram amigos, apostaram em algo inovador para época: as séries, os filmes seriados. O Íris apostou em séries de faroeste, cowboys (A Herança Fatal, A Moeda Quebrada), enquanto o Ideal com filmes da Pathé, com dramas, suspenses e mistérios.
A estrutura do prédio em art nouveau ostenta em seu interior, entre outras coisas, a escadaria de ferro, azulejaria importada da Bélgica, azulejos adornados com ramos de Íris, e espelhos de cristais da França. Atualmente possui capacidade para 453 pessoas. Foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) em 14 de junho de 1978 e pelo IPHAN em 1982. No dia 30 de outubro de 2009, comemorou-se seu centenário, ocasião em que filmes mudos foram exibidos com entrada franca e um bolo foi cortado no meio da rua. A saudosa atriz Marília Pêra compareceu à celebração e recebeu uma homenagem da Sociedade Amigos da Rua da Carioca e Adjacências (Sarca), como a “maior estrela do Brasil”. A atriz tem uma história muito ligada ao Íris, pois sua avó, a também atriz Antônia Marzullo, trabalhou no cine-teatro há muito tempo.
Em seu auge, na primeira metade do século XX, chegou até mesmo a ser frequentado por personalidades, como Rui Barbosa. Ele era o cinema muito frequentado pelo jornalista e cineasta Adhemar Gonzaga que era muito amigo do fundador, João Cruz Jr. Ari Barroso tocou piano no Íris para pagar seu curso de direito. O cinema já foi cenário na contemporaneidade de filmes como “ Olga” e novelas como “Senhora do Destino” da Rede Globo de Televisão. O estabelecimento sempre permaneceu sob controle da mesma família e hoje é administrado pelo bisneto do fundador, Raul Pimenta Neto.
Nos anos 1970 exibia principalmente filmes de artes marciais (kung-fu). Neste período, passou por outra grande reforma. Já a partir de 1983, logo após o tombamento, passou a apresentar espetáculos eróticos e de Striptease e seu público frequentador desde então é basicamente masculino. Além, é claro, da projeção de filmes pornográficos (que ficaram conhecidos pelo público como cinemas poeira). A tendência no Rio, era de que, com a decadência, principalmente com a mudança da capital do Brasil para Brasília, inúmeros cinemas de bairros tornaram-se exclusivamente exibidores de vídeos pornôs para poder se manterem vivos de alguma forma. Em uma entrevista exclusiva, Neyde Brilho Cruz, neta do fundador João Cruz, se emociona e nos compartilha seu sonho: “realizar o sonho do meu avô. Transformar o Cine Íris de novo em um grande palácio das artes”, e completa: “ não sei se verei, mas espero que meus herdeiros não desistam”.
Cine Íris, 1924. Fonte: Cinemas Treasures.
Disponivel em: https://cinemagia.wordpress.com/2019/07/14/cinemas-antigos-cine-iris-centro-rj/
Fachada do Íris. Quando entrava em exibição novos capítulos dos seriados a Rua da Carioca fica intransitável. Foto de Augusto Malta. Fonte: Revista Filme Cultura, n. 47, 1986, p. 40.
Fachada do Íris de 1968. Nesta época, passava filmes de bang-bang. Arquivo Geral da Cidade. Disponível: http://saudadesdoriodoluizd.blogspot.com/2019_06_23_archive.html
Escadaria de acesso ao Cinema ÍRIS. Arquivo Geral da Cidade. Disponível: http://saudadesdoriodoluizd.blogspot.com/2019_06_23_archive.html
Foto: Acervo da Família Cruz
Foto: Acervo da Família Cruz
Foto: Arquivo RioFilme.
Foto: Arquivo RioFilme.
REFERÊNCIAS
Cine Íris completa 100 anos e programa filmes de Chaplin no lugar de filmes pornográficos in Extra Online, 16/10/09. Disponível em: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/cine-iris-completa-100-anos-programa-filmes-de-chaplin-no-lufar-de-filmes-pornograficos-349341.html
BARRADAS, Fernando da Conceição. A Identidade do ofício de músico na música popular brasileira. Akrópolis, Umuarama, v. 18, n. 2, p. 153-159, abr./jun. 2010. Disponível: https://revistas.unipar.br/index.php/akropolis/article/view/3163/2221
LIMA, P. Na década de 10, os fãs lotavam o Íris e o Ideal. Revista Filme Cultura, n.47, agosto, 1986.
MAZZA, Florença. Marília Pera recebe homenagem nos 100 anos do Cine Íris. Jornal O Globo, 30-10-2009. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/marilia-pera-recebe-homenagem-nos-100-anos-do-cine-iris-distribui-bolo-para-fas-no-rio-3123938
Patrimônio Cultural: Guia dos Bens Tombados pelo Estado do Rio de Janeiro. 2012, p.73.
RIO DE JANEIRO. INEPAC. Processo E-03/001.635/78.
ROQUE, Daniel. Documentário Rua da Carioca, 49. Pátria Filmes, Rio De Janeiro, 2015. Disponível em: www.curtaocurta.com.br/filme/rua_da_carioca_49-1471.html.