13º Episódio RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente Da História

13º Episódio RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente Da História

CINE ALHAMBRA (1932)

Chegamos no 13ª episódio dessa jornada emocionante pelos cinemas de rua cariocas. Pela riqueza de detalhes revelados nesta primeira temporada, poderíamos até jurar que vivemos neste tempo das icônicas salas de exibição. Vimos no episódio passado o Cine Palácio, cinema que abrilhantou em 1929 a estreia carioca do tão aguardado filme sonoro. E, hoje, pousaremos no Alhambra. Preparados? A sessão já começou! 

O Cinema Alhambra tem um significado especial no desfecho da carreira cinematográfica de Francisco Serrador, um visionário que, entre seus feitos no cinema, destaca-se o projeto da Cinelândia em meados de 1920, a pequena Broadway do Rio. A Revista  A Cena Muda, de 13 de abril de 1943, chama-o de “poeta do progresso” e traduz seus grandes edifícios de entretenimento como “seus poemas de cimento armado”. Quem poderia imaginar que no espaço do Convento da Ajuda poderia surgir uma praça que abrigaria verdadeiros “palácios de cinema”? A verdade é que esta incrível transformação está muito associada à imagem do Francisco Serrador, como aprendemos no decorrer da nossa jornada pelos cinemas de rua do Centro do Rio.

Convento da Ajuda que desapareceu para dar lugar a Cinelândia.
A Cena Muda, 13 de abril de 1943.

Chegamos à década de 30. O famoso quarteirão dos cinemas já está todo consolidado, temos o Odeon,  Império, Glória, Capitólio, Pathé-Palace. Francisco Serrador já é um idoso e com uma trajetória pessoal muito conturbada como homem de negócios, assim como nos relata Hernani Heffner. Alice Gonzaga traz em seu livro “Palácios e Poeiras” uma nota de seu pai Adhemar Gonzaga que diz assim: 

Serrador, como todo homem do seu tipo, ´saltador´, ´realizador´, não ligava ao dinheiro e a dívidas. Não sabia mesmo a quantas andava” (ADHEMAR GONZAGA apud ALICE GONZAGA, 1996, P. 144)

Muitos acreditavam que seu sonho ou, como o mesmo dizia, “sua comédia”, assim como na Companhia Brasil Cinematográfica e depois com a Cinelândia, foi maior que sua razão empreendedora. E tendo em vista a expansão do circuito exibidor e as disputas econômicas internas, no final dos anos 20 e início de 30, “ele é retirado da condução dos negócios desses conglomerados de salas e pela primeira vez, depois de muitos anos, se ver obrigado a retomar a carreira de exibidor solitário e inicia um circuito próprio numa sala que tem várias características icônicas na história da exibição do Rio de Janeiro, que é o Cine Alhambra”, conta-nos Hernani Heffner em entrevista exclusiva. Em 45 dias Serrador constrói o cinema, dando um nome que era invocativo de sua origem espanhola. Inaugurado em 09 de junho de 1932, recebeu o endereço na Rua do Passeio (depois Praça Getúlio Vargas e atual Praça Mahatma Gandhi) nº 14/16. Entre a Rua Senador Dantas e Álvaro Alvim. Tinha capacidade para 1.448 espectadores. Pretendia-se  explorar principalmente filmes e atrativos germânicos. Aliás, a edificação, cópia do Vaterland, de Berlim, trouxe também o estilo bauhausiano para o Rio de Janeiro. 

O Alhambra trouxe uma série de inovações para o espaço e  forma de exibição, como também para a arquitetura carioca daquela época.  Era um prédio de linhas retilíneas, de fachada limpa, sem decoração, sem baixo-relevo e era todo espelhado. Hernani Heffner fala que foi o primeiro prédio bauhausiano do Rio de Janeiro, o primeiro de estrutura modernista, “falam muito do prédio do Ministério da Educação e Saúde de 1937 e do prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) de 1936 como os primeiros modernistas, mas o Alhambra de 1932 que foi de fato o primeiro”, diz Heffner. A cidade estava começando a viver esta febre de prédios art decó, que são prédios mais leves, mais alegres, mais sinuosos, assim como vemos na construção do Alhambra, que o destoava do resto dos prédios da Cinelândia.

Segundo Alice Gonzaga, o prédio foi o primeiro com escada rolante no Rio de Janeiro e com grandes elevadores (para 24 pessoas) que davam acesso ao cinema que ficava no segundo andar. Com a chegada do filme sonoro as futuras salas tinham que se preocupar também com a acústica  e o Alhambra foi o primeiro projetado nessas condições. João Máximo diz que por conta disso ele serviria a diferenciados tipos de espetáculo, dramas, comédias, revistas, circo, miscelâneas, mas, principalmente filmes.

Cine Alhambra, primeiro prédio no estilo bauhausiano no Rio de Janeiro.
Fonte: BN Digital

Ele vai marcar época na cidade, sobretudo, pela sua programação. Serrador passa a trabalhar no Alhambra especialmente com filmes alemães e brasileiros. Em 1935 ele lança na cidade um filme chamado “A Sinfonia Inacabada”, um drama musical britânico austríaco, que se transforma em um imenso sucesso. O filme fica em cartaz quase um ano e lota a sala meses a fio, indicando que ele poderia trabalhar com o cinema nacional. Hernani Heffner nos diz que Serrador fez uma aposta arriscada em trabalhar com o cinema brasileiro numa época em que filme nacional tinha muita dificuldade de se sustentar.  Ele vai abrir espaço para a Cinédia, do Adhemar Gonzaga, que vai exibir no Alhambra  suas comédias musicais, sucessos como “Alô, Alô Carnaval” que consagrou figuras do Rádio como Carmen Miranda, ficando em cartaz mais de um mês no cinema quando a regra era ficar uma semana. Segundo Hernani, “isso viria a consagrar o Serrador como exibidor que tem interesse e é parceiro do filme brasileiro, que na verdade abre espaço para o filme nacional no circuito comercial, e mais importante: abre espaço para o filme brasileiro no coração desse comércio que era a  Cinelândia”.

Cartaz do Alô Alô Carnaval (1935).
Fonte Enciclopédia Itaú Cultural
Cartaz do filme Favela dos
Meus Sonhos de Humberto Mauro (1935)
estrelando Carmen Santos.

Serrador, além de exibidor foi produtor lá no início do século XX e carregava consigo todos os seus filmes desde 1908. Ele instalou o depósito desses filmes nos fundos do cinema  Alhambra, na parte de baixo. Nessa época, os filmes eram feitos com nitrato de prata que com o tempo se tornavam altamente inflamáveis provocando fogo sozinho. E, com isso, fatalmente, o cinema vem a sofrer um grande incêndio em 1940, com apenas oito ano de existência vindo a ser completamente destruído. Assim, nosso velho espanhol tem dificuldade de reunir ainda recursos e forças para continuar como um produtor cultural. 

No lugar do Alhambra, um novo prédio vai ser reconstruído pelo seu sobrinho, David Serrador, com o nome de Edifício Serrador em homenagem ao visionário da Cinelândia. Que, no entanto, não viveria para ver ele construído. No dia 22 de março de 1941, um ano e vinte dias após a inauguração de seu último teatro (e um ano após receber do governo o título de cidadania brasileira), Francisco Serrador morreu com 68 anos. O nome do edifício eternizado na Cinelândia é uma porta que se abre para a história de um dos maiores exibidores cariocas e quiçá do país.

Entrada de 15 metros do Edifício Serrador.
Fonte: Arquivo
A Cinelândia com o Edifício Serrador em construção.
A Cena Muda de 13 de abril de 1943.

E durante toda essa incrível jornada, reviver estes cinemas nos levou a ter experiências incríveis, mas, também, a lamentarmos o desaparecimento de quase todos os prédios por um pensamento obtuso que credita ao passado, o velho, o descartado. “Foi uma perda e uma perda muito sentida”, lamenta o pesquisador e gerente da Cinemateca do MAM, Hernani Heffner.  RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente da História nos lembrou de um Rio de Janeiro solar, que se configurou com as pessoas na rua  convivendo e se maravilhando com os espetáculos cinematográficos. 

“Espaços como salas de exibição são espaços que trazem a população para rua e fazem  a população conviver, dando à população, inclusive,  acesso a arte e a cultura das mais variadas formas e que servem para cidade cumprir sua vocação , uma cidade solar e litorânea, uma cidade alegre, de rua, uma cidade festeira, e se ela tiver um circuito significativo de salas, das mais variadas épocas, ela pode ter aí uma base de trabalho cultural que poucas cidades no mundo tem. Se perdeu tudo e não se perdeu tudo e ainda está em tempo de correr atrás do que sobrou, e ver o potencial e o valor de tudo que ainda está por aí” 

(HERNANI HEFFNER, entrevista a RIO FILME, setembro de 2020.)

REFERÊNCIAS

GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/ Funarte e Editora Record, 1996. 

MÁXIMO, João. Cinelândia: Breve História de um Sonho. Editora Salamandra, 1997

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