PALÁCIO-TEATRO (1929)/ CINE PALÁCIO (1943)
Nossa jornada pelos cinemas de rua cariocas tem nos trazido aos tempos áureos do começo do século XX, passamos pela Belle Époque e pousamos na famosa Cinelândia dos “palácios de cinema”. Uma época em que o cinema e o Centro da cidade se confundiam e se completavam. Em nosso episódio anterior, falamos sobre o Cine Pathé-Palace (1928), o último prédio construído no quarteirão da nossa Broadway brasileira. E, hoje, pousaremos no Cine Palácio, construído ainda no começo do século XX, mas inaugurado em 1929. Preparados? A sessão já começou!
O prédio do Cine Palácio, instalado na Rua do Passeio, números 38/40, de estilo neoislâmico, foi projetado no final do século XIX pelo espanhol Adolfo Morales de Los Rios, um dos maiores arquitetos da belle époque brasileira, o mesmo responsável pelo planejamento do Museu Nacional de Belas Artes, do Café Assyrius do Theatro Municipal e do prédio do Centro Cultural da Justiça Federal. O Palácio, que já foi boliche, cassino, teatro, café-concerto, que já se chamou Palace-Theatre e aportuguesou-se para Palácio-Teatro, foi reformado por Francisco Serrador e inaugurado em março de 1929 com a alardeada capacidade de 3.200 lugares, três andares de frisas, camarotes, galerias, um verdadeiro palácio de arte, inaugurando a era das grandes salas. Pretendia-se modular no sistema das longas exibições, com prelúdios de variedades, e tinha como modelo os cinemas populares de Nova Iorque, o Roxy e o Capitolio.
Alice Gonzaga diz que críticos do cinema na época estranharam a estética e a proposta do Palácio-Teatro, subentendendo um retrocesso com o qual certamente não concordavam: “Vamos ver como será recebido pelo público (…) Apenas, lamenta-se a falta de gosto no arranjo da fachada (que é aquilo hein?) e do hall, cheio de tanta bugiganga que parece entrada de labyrintho ou de casa maluca dos parques de diversões”, diz o crítico Rocha para Cinearte de 23 de março de 1929.
Provavelmente para surpresa dos críticos, três meses depois, o cinema seria escolhido para apresentar ao público carioca a novidade do cinema sonoro, em sua versão movietone, isto é, com o som gravado na própria película, o que se revelou a solução definitiva para a perfeita sincronização com a imagem, detalha-nos Alice Gonzaga. O filme que ouvimos por aqui não foi “O Cantor de Jazz”, o primeiro falado no mundo, e sim “Melodia da Broadway (Broadway Melody)”, musical da Metro Goldwyn Mayer, com Charles King, Anita Page e Bessie Love, estreando numa sessão para convidados, em 20 de junho de 1929, no Palácio-Teatro. Entre os ilustres convidados de Serrador, estava o Presidente da República, Washington Luís.
Recorte do filme “Broadway Melody”, 1929, MGM.
A dublagem deixava de ser ao vivo, atrás do pano, e passava a ser feita pelo disco. “Melodia da Broadway”, primeiro filme falado a ganhar o Oscar de Melhor Filme, exibia cartazes no Brasil e era a sensação porque era todo falado, todo cantado, todo dançado. Mais uma vez Francisco Serrador teve tudo a ver com o episódio pioneiro. Segundo João Máximo, ele contratara o filme à Metro, trouxera os engenheiros da Western Eletric Company para instalarem o novo sistema no Palácio-Teatro e anunciou para junho a grande noite. “Qual será o primeiro filme movitafonizado do Palácio-Teatro?”, fazia suspense um anúncio da época.
Em 1977, o jornalista Raimundo Magalhães Júnior, relatou para Revista Manchete como foi estar presente na primeira sessão de cinema falado no Brasil. Vale a pena ler seu depoimento transcrito abaixo:
“Tive a oportunidade de testemunhar a primeira sessão de cinema falado realizada no Rio de Janeiro. O filme escolhido fora uma produção musical da Metro Goldwyn Mayer, Broadway Melody/Melodia da Broadway, com Charles King, Anita Page e Bessie Love, os dois primeiros inteiramente desconhecidos no Brasil. Bessie vinha do cinema silencioso, em que aparecia como atriz dramática. A estréia, em espetáculo de gala, no Palácio Teatro, fora anunciada com tanto estardalhaço pela Companhia Brasileira de Cinemas que embarquei de Campos para o Rio de Janeiro, a fim de estar presente. Eu dirigia, na ocasião, o principal jornal campista, Folha do Comércio. E quis dar a novidade aos meus leitores. Entretanto, não havia ingressos à venda. Toda a casa fora destinada a convidados de Francisco Serrador. Tive de usar um estratagema para obter ingressos. Apresentei-me como um grande exibidor do norte do país, onde sabia que os filmes distribuídos por Francisco Serrador não chegavam. Combinamos um almoço de negócios para a semana seguinte e ele me deu nada menos que um camarote, de onde eu vi, bem próximo, o cavanhaque já embranquecido do presidente da República, Washington Luís. Uma grande orquestra, com músicos trajados a rigor, foi regida por um maestro baixinho, que suponho ter sido Francisco Braga. Mas não me recordo bem de sua figura, quase todo o tempo de costas para o público. Começou depois o filme, excessivamente dialogado, mas com uma intriga banal de bastidores, que poderia ser facilmente acompanhada pelos espectadores com auxílio de algumas legendas. A canção tema do filme, interpretada por Charles King, imediatamente ficou popular. Ele era um cantor de voz abaritonada, um pouco do estilo de Frank Sinatra. Coitado: ficou prisioneiro desse sucesso e nunca mais fez nada que valesse a pena”.
(Magalhães Júnior, Revista Manchete, 1977)
Público aguardando para entrar no Palácio-Teatro na década de 30.
Arquivo Atlântida Cinematográfica, Grupo Severiano Ribeiro.
O Palácio-Teatro de Serrador passou a se chamar Cine Palácio em 1943, já em domínio da Companhia Brasileira de Cinemas e, pouco tempo depois, passando para as mãos de Luiz Severiano Ribeiro, brilhante empreendedor que entra na Cinelândia “substituindo o império de Serrador”, segundo nos conta Toninho Vaz, biógrafo de Severiano. De imediato, este enxergava o projeto de Serrador com certa crítica. Ele apostava nos cinemas de bairro, onde o aluguel ou a aquisição dos edifícios era mais barato, e o investimento mais seguro. Mesmo acreditando em outra estratégia, mas fazendo parte do trust, Ribeiro iria aderir à ideia da Cinelândia, arrendando de Francisco Serrador o sofisticado Cine Odeon, depois o Palácio-Teatro, o Capitólio em 1950 e tantos outros, marcando sua presença também naquela região emblemática. Toninho Vaz nos explica o que viria ser o trust no setor cinematográfico:
“O trust, muito falado no mercado [cinematográfico], eram acordos que existiam como base das implementações desses cinemas. Por exemplo, os exibidores do Rio não podiam fazer nada em São Paulo… Havia um exibidor em São Paulo que dominava aquela grande praça e o Brasil para o Sul… Você definia assim um pouco o território de cada um… Como o Serrador era mais antigo e tinha um projeto definido, a Cinelândia, ninguém podia fazer nada ali sem o aval dele. O Severiano tinha a praça dele, os cinemas de bairros…Quem ia negociar cinemas tinha que saber quem dominava na região…Eles tinham um trust que ficava administrando estes tipos de situações…”
(Entrevista com Toninho Vaz, RioFilme, 2020).
Luiz Severiano Ribeiro, 1930.
Arquivo Atlântida Cinematográfica, Grupo Severiano Ribeiro.
Com a entrada de Ribeiro na Cinelândia, algumas iniciativas foram tomadas como, por exemplo, o fechamento do Cine Glória, em nome da sofisticada Cinelândia, pois ele considerava “um cinema mixuruca”, conta-nos Toninho Vaz em seu livro “O Rei do Cinema”. Outra iniciativa, através da parceria com a Fox, foi a reformulação do Cine Palácio para receber o lançamento do sistema de Cinemascope no Brasil, com o filme “O Manto Sagrado”. Este sistema foi utilizado entre 1953 e 1967 para gravação de filmes panorâmicos, que iniciariam o formato moderno das telas de cinema. O Cinemascope era mais barato que o Cinerama, a qualidade era comparável, e ajudava o cinema a competir com a televisão, que estava em crescimento nos anos 1950.
Cartaz do Festival Cinemascope no Palácio, década de 1950.
Parceria Fox e Empresa Luiz Severiano Ribeiro.
Arquivo Atlântida Cinematográfica, Grupo Severiano Ribeiro.
Fachada do Palácio anunciando o Cinemascope na segunda metade do século XX.
Arquivo Cinemateca Brasileira.
Em 1970, a direção do Cine Palácio optou por tapar o lado frontal do edifício com lâminas de alumínio, que mascaravam os detalhes decorativos e arquitetônicos originais, como balcões, arcos em ferradura, pináculos, vitrais, balaustrada, janelas e torres. Talvez a intenção seria modernizar o cinema. Somente em 2004, depois de 30 anos escondida, a fachada foi finalmente devolvida à cidade pela Azevedo Arquitetos Associados (AAA), empresa responsável pelo projeto de restauração do cinema. Entre idas e vindas, um incêndio em 1977 e a divisão em duas salas, o Cine Palácio foi tombado em 2008 quando o Grupo Severiano Ribeiro passou o imóvel para o Hotel Ambassador. Em 2014 foi anunciado que o prédio que abrigava o antigo cinema seria reformado para se tornar um teatro voltado a musicais. Inicialmente com o nome de Teatro Aventura. Após quase 2 anos de obras, o teatro foi reinaugurado em 26 de agosto de 2016, renomeado de “Teatro Riachuelo Rio”, com o espetáculo “Garota de Ipanema”, “O Amor É Bossa”. A capacidade do espaço é de 1000 pessoas, divididas em 3 andares de plateia. A fachada abriga dois letreiros: um anunciando o novo empreendimento e o outro, mais abaixo, em memória do antigo.
Fachada tapada com alumínio na década de 1970.
Arquivo Atlântida Cinematográfica, Grupo Severiano Ribeiro.
Cartaz do Palácio na época da Atlântida e das chanchadas.
Arquivo Atlântida Cinematográfica, Grupo Severiano Ribeiro.
Fachada atual com os dois letreiros, com o atual nome e com o antigo Cine Palácio.
Foto de Caio Galucci, Grupo Riachuelo.
REFERÊNCIAS:
GONZAGA, Alice. Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura/ Funarte e Editora Record, 1996.
MÁXIMO, João. Cinelândia: Breve História de um Sonho. Rio de janeiro: Editora Salamandra, 1997
VAZ, Toninho. O Rei do Cinema: a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro, o homem que multiplicava e dividia. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008