CINE ODEON- CINELÂNDIA (1926)
Em nossa incrível jornada pelos cinemas de rua cariocas, continuamos nos “palácios de cinema” da Cinelândia, projetados por Francisco Serrador por volta de 1920, e que copiava o modelo nova-iorquino da Times Square. No episódio passado, falamos do Cine Império (1925), considerado o menor entre todos os grandes edifícios de entretenimento daquela região, entretanto, um dos mais luxuosos. Hoje, pousaremos no Odeon, inaugurado em 1926, o quarto prédio construído neste quarteirão de cinema.
O Odeon que rememoraremos hoje, não é o cine Odeon de Ernesto Nazareth, da Avenida Central com a Rua Sete de Setembro, tema de nosso sexto episódio. Serrador compra este cinema e o reconstrói no auge dos cinemas da Cinelândia. Com quatorze pavimentos, este Odeon foi inaugurado em 03 de abril de 1926, na Praça Floriano, número 07. Nele predomina também o estilo eclético. Foi erguido pela Companhia Construtora Nacional e a julgar pelos outros três cinemas, este era monumental com dois pavimentos de escritórios e onze pavimentos de apartamentos pequenos. Ele é um típico representante dos grandes cinemas americanos, com ampla sala de projeção, desobstruído de pilares e possuía espaçosa plateia e balcões cômodos. O filme exibido em sua inauguração foi “Amor de Príncipe” (Graustark, 1925, EUA), romance da First National, dirigido por Dimitri Buchowetzki e estrelado por Norma Talmadge. Em sua primeira sessão já foi inserido prólogo, com mais de dez artistas, entre dançarinas e atores.
Filme “Amor de Príncipe”,
exibido na primeira sessão do Odeon em abril de 1926.
Fonte: Daily News, New York, 09-09-1925.
Nesta época, o mercado exibidor passava a se modificar quando as companhias americanas, com seus métodos comerciais de distribuição, se consolidaram em território brasileiro. Apareceram fitas de filmes americanos com maior duração, o que exigiu transformações na estrutura das salas de cinemas (tal como arejamento, limpeza), para proporcionar o mínimo de conforto aos espectadores que ficariam sentados por mais tempo em frente às telas, como assim nos diz a pesquisadora Talitha Ferraz. Assim, surgem os “palácios de cinema”. Segundo Fabiano Canosa, programador de cinema, “ir a estes cinemas de rua era uma experiência quase ´litúrgica´, era quase que uma obrigação como ir à missa, mas com uma diferença de querer ir todos os dias”. Existiam os circuitos, cada cinema guardava sua personalidade e encanto desde a arquitetura, os funcionários vestidos no tema do filme exibido, as riquezas dos programas e os próprios filmes. “As pessoas se sentiam importantes dentro dessas novas salas”, diz José Luiz Vieira para Revista Filme Cultura (1986).
O Odeon foi construído dentro desta proposta de conforto e requinte. Em sua inauguração, um ano depois do Capitólio, foi assim descrito pela crônica de Cinearte:
Dentro do meu smorking e depois de ter pago cinco mil réis, preço um tanto caro, é verdade, mas passável para quem sabe quanto custam os filmes da linda esposa de Schenck, afundei-me comodamente numa poltrona para ver “Amor de príncipe”, que aliás, trata do amor de uma princeza. Podendo agora cruzar as minhas pernas num Cinema (até parece sonho!) (…) Olhei o ambiente. Sala repleta. A Dona Julieta que veio ouvir a voz do galã do prólogo e Titinha com todo o seu grupo de admiradores de Norma e Eugene. As “locadoras”, como as bilheterias, já estavam todas de “lamé” e saia balão; os porteiros, com exceção do Joaquim e o seu bigode, vestidos de soldados de Graustark. Bella iluminação, efeitos de luz e uma fila de mais de 30 camarotes, repletos do que o Rio possui de mais fino… Uma bella orquestra de quinze figuras, fora dois maestros executou a “ouverture”(…) Pessoas estupefactas, disfarçadamente, coçavam o pescoço para olhar o enorme lustre… e eu a pensar se por acaso, com pressa da inauguração, não iria acontecer a scena do “Phantasma da Ópera”…
(Cinearte, 28 de abril de 1926, p. 27)
O elogio aos novos cinemas nas revistas da época geralmente era acompanhado de críticas aos velhos cinemas da Avenida Central, que começaram a fechar, como foi o caso do antigo Odeon e do Avenida.
O Odeon da Cinelândia foi considerado mais um dos grandes “elefantes brancos” de Serrador, como eram assim conhecidos pelos críticos estes palácios cinematográficos construídos naquele local, pois tinham uma grande estrutura, mas de principio não foram grandes sucessos. Para vencer a resistência e atrair espectadores para as novas salas, aciona-se como recurso promocional a implementação de uma novidade americana: os prólogos, como já mencionado no episódio anterior. Segundo Alice Gonzaga, a introdução dos prólogos nos cinemas da Cinelândia é uma decisão tomada por Serrador depois de sua segunda viagem aos Estados Unidos, no final de 1924. Os prólogos enfrentaram bastante resistência dos críticos de cinema, principalmente nos Cine-Teatros Império e Capitólio, passados por Serrador para Paramount. Já o Odeon se saia bem com os críticos, pois diziam que “o fez com mais critério, porque se trata realmente de qualquer coisa referente ao filme”.
Talvez porque o responsável pelos prólogos no Odeon e no Gloria vinha a ser o já experiente Luiz de Barros. Sua trajetória, que se inicia nos anos 1910, atravessa sete décadas no cinema brasileiro e perfaz uma filmografia de mais de cem títulos. Igualmente produtiva é sua carreira no teatro, como diretor e cenógrafo. Diante de tamanha atividade, não espanta que também tenha sido um dos principais nomes envolvidos na organização dos prólogos. Na sua autobiografia, conta que seus prólogos “mais bonitos e de maior sucesso” foram os dos filmes “O Ladrão de Bagdá”, dançado pela bailarina Valerie, “As Duas Órfãs” (outro título utilizado para “Órfãs da tempestade”) e “O fantasma da Ópera”. A execução dos prólogos no Odeon recebeu, desde o início, uma melhor organização, com a criação da Companhia Odeon de Prólogos e Revuettes.
Luiz de Barros, muito elogiado pelos críticos de cinema,
produzia os prólogos do Odeon.
Fonte: Wikipédia, domínio público,
de acordo com a lei 9.610/98.
O Odeon faz parte da memória cultural e afetiva do Rio de Janeiro e representa uma época em que o cinema e o Centro da cidade se confundiam e se completavam. É por isso que uma apropriação individual, por exemplo, durante um passeio a pé, através do olhar dos passantes, ressignificou nas décadas seguintes o antigo prédio do Cine Odeon, talvez a lembrança mais viva da Cinelândia daquele tempo. Este prédio é um lugar nostálgico, representante do belo e da herança, mas apontou também para os moradores da cidade a responsabilidade pelo aspecto maltratado do edifício até o fim dos anos 1980.
No final do século XX, passou por restauração e reformas patrocinados pela Petrobrás (através da distribuidora BR). Atualmente o cinema é de propriedade do Grupo Severiano Ribeiro e foi administrado pelo Grupo Estação, que, em junho de 2014, anunciou que o espaço seria fechado por tempo indeterminado, muito em função das dívidas (30 milhões de reais) e da falta de manutenção no edifício. Reaberto em 2015 como Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro – Cine Odeon, com patrocínio da Claro-NET, não está mais limitado apenas à exibição de filmes, mas aberto também para espetáculos, cursos, palestras etc. É o cinema do Festival do Rio, Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro e Anima Mundi.
O bom seria que a ressignificação do espaço que houve no Odeon acontecesse com outros prédios de cinema. Porém, enquanto não vislumbramos isto, o que nos resta é celebrar esta memória e nos encantar com cada particularidade destes cinemas com os episódios semanais do RioFilme: O Cinema Carioca Na Lente da História. Sobre isso, o programador de cinema, Fabiano Canosa, que tem uma vasta experiência na cinematografia brasileira e é hoje um importante divulgador do cinema brasileiro nos Estados Unidos, em uma entrevista exclusiva, diretamente de Nova Iorque, reitera a importância de projetos como este que resgatem estas histórias cinematográficas. “Eu estou impressionadíssimo com a ideia que vocês tiveram de fazer este resgate dos cinemas de rua, porque também isso proporciona a possibilidade de pessoas de vários lugares se interessarem por restauração dos cinemas que ainda existem”, afirma Canosa.
Fachada do Cinema Odeon, 1926. Fotografia de Luciano Ferrez. Arquivo Nacional.
Fundo Família Ferrez. BR_RJANRIO_FF_LF_1_0_1_22_17
Cine Odeon, Cinelândia. Fonte: Acervo do MIS.
Cartaz Cine Odeon, Revista Cinearte, 1928.
Fonte: Hemeroteca, BN digital.
Quarteirão Serrador, Cinelândia. Cine Odeon logo na esquina. Fonte: Acervo do MIS.
Foyer do Cine Odeon.
Fonte: Imagens cedidas pelo Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro.
Sala de exibição atual do Cine Odeon. Imagens cedidas pelo Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Luciana Corrêa de. “Prólogos envenenados”: cinema e teatro nos palcos da Cinelândia carioca. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Mídia e Entretenimento”, do XVIII Encontro da Compós, na PUC-MG, Belo Horizonte, MG, em junho de 2009. Disponível em: file:///C:/Users/16252977/Documents/referencias/imperio%20prologos.pdf . Acesso em agosto de 2020.
FERRAZ, Talitha. CRUZ, Lúcia Santa. Quando o Cinema é a maior sofisticação: experiências sensíveis, desejo e práticas de consumo nas salas exibidoras de luxo do Rio de Janiero. Niterói-RJ, Contracampo,v. 24, n. 1, jul./2012.
MÁXIMO, João. Cinelândia: Breve História de um Sonho. Editora Salamandra, 1997
VASCONCELLOS, Evandro Gianasi. Entre o Palco e a Tela: As Relações do Cinema com o Teatro de Revista em Comédias Musicais de Luiz de Barros. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos – SP 2015
VIEIRA, João Luiz. PEREIRA, Margareth C. S. Cinemas Cariocas: da Ouvidor à Cinelândia. Revista Filme Cultura, número 47, 1986.